22/07/10

Concurso entre os crimes de falsificação de documentos e burla


O Concurso de crimes: Concurso entre os crimes de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256º nº 1 a) e nº 3 e de burla, previsto e punido pelo art. 217º nº 1, ambos do Código Penal.
(Imagine a situação em que A vem acusado simultaneamente de um crime de falsificação e burla) …. Perante esta situação estaríamos perante o concurso de dois crimes, onde cumpre averiguar se se verifica um concurso real de crimes ou se um concurso aparente de normas
  • Noções introdutórias:

Concurso de infracções: A teoria das infracções permite distinguir as situações nas quais as normas em concurso requerem uma aplicação conjunta, das situações em que o conteúdo da conduta é absorvido por uma única das normas.

  • A) Concurso real: Estamos perante um concurso real de crimes quando o comportamento do agente preencher vários tipos incriminadores e a sua responsabilidade contemplar todas essas infracções praticadas.
  • B) Concurso aparente: Ocorre quando, aparentemente, na prática de um facto, convergem diversas disposições legais, mas na verdade só uma se lhe aplica, afastando todas as outras. O que tem a máxima importância em termos de punibilidade. Quando se pune um agente por uma situação de concurso aparente segundo as regras do concurso real, estamos a violar o princípio constitucional, “ne bis in idem”, pois está se a valorar e punir mais do que uma vez o mesmo facto.

    Ainda quanto ao concurso aparente de normas, temos de o dividir em 3 modalidades: O Concurso de crimes:
  1. A relação de especialidade – Existe uma relação lógica de subordinação entre as normas, assim, quando um tipo legal é constituído a partir de outro, ou seja, se apresenta em relação àquele como qualificado ou privilegiado (ex. 132º, 133º e 134º em relação ao art. 131º todos do CP);

  2. A relação de subsidiariedade – Nestes casos existe uma intersecção de normas, cada norma pode ter um âmbito de aplicação autónomo, mas há também uma sobreposição, tornando-se uma subsidiária de outra, com aquela que tem a pena mais leve absorvida pela que tem a mais grave, assim por exemplo: “ Um vigarista como tu merece que lhe limpem o sebo!”, estamos perante um crime de injúria e um crime de ameaça, no caso a punição será pelo crime mais grave, a ameaça.

  3. A relação de consunção – Existe nestes casos, uma relação de instrumentalidade: a violação duma disposição legal é instrumental para a violação de outra.
    Crime de burla, previsto e punido pelo art. 217º do Código Penal: “Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. (…)”

Crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo art. 256º do código Penal: “Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: (…)”

Concurso real entre os crimes de burla e de falsificação de documentos:

Entende a maioria da Jurisprudência que no caso de a conduta do agente preencher as previsões dos crimes de falsificação de documento e de burla, verifica-se um concurso real de crimes, e assim deverá o agente ser punido pelos dois crimes.
Vide nesse sentido:

  • Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Janeiro de 1991;
  • Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 1992;

Este acórdão enverga pelo concurso real de crimes aquando a pratica dos crimes de burla e de falsificação de documentos, visto que “entre tais ilícitos não se verifica qualquer relação de conservação, que conduziria a verificação de concurso aparente. Na burla visa-se proteger a integridade patrimonial do ofendido, na falsificação, a fé pública que devem ter os documentos.”

  • Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Abril de 1992;
  • Assento nº 8/2000 do Supremo Tribunal de Justiça;
  • Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Abril de 2002
  • Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24 de Abril de 2002

Refere este Acórdão que no caso de concurso entre os crimes de burla e de falsificação de documentos, verifica se um concurso real, já que estes crimes tutelam a protecção de bens jurídicos diferentes, e assim, o crime de burla tutela o património do ofendido, já a falsificação de documentos tutela a verdade intrínseca do documento enquanto tal.

Concurso aparente entre os crimes de burla e de falsificação de documentos:
Quanto a esta questão, alguma Jurisprudência aponta, ao contrário da já referida, que no caso da conduta do agente preencher as previsões destes dois crimes, verifica-se um concurso aparente, e assim o crime de burla consome o crime de falsificação de documentos. Desta forma estamo-nos a referir ao concurso aparente de normas na modalidade de consunção, ou seja quando o preenchimento de um tipo legal de crime inclui o preenchimento de outro tipo legal.

Refere o Acórdão datada de 1988 que, “ No concurso aparente de infracções, o campo de aplicação das duas normas assemelha-se a dois círculos concêntricos, de forma que todos os elementos que cabem numa norma e também na outra, e os mesmos elementos de facto não podem ser apreciados duas vezes.” Sendo exactamente isto que acontece no caso em análise, a falsificação envolve com certeza o erro ou engano sobre os factos astuciosamente provocados a que alude o crime de burla, sendo assim, este resultado a consequência geral daquela actividade. Desta forma, ao punir o crime de burla já se está a contar com a actividade de falsificação.
Vide neste sentido:
  • Acórdão de 22 de Julho de 1981
  • Acórdãode 4 de Maio de 1983, processo nº 39905
  • Acórdão de 24 de Fevereiro de 1988
  • Acórdão de 15 de Março de 1989, processo nº 39905
  • Acórdão de 2 de Junho de 1989, processo nº 41074
  • Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1991
  • Acórdão de 3 de Dezembro de 1998,

Este acórdão refere que “é de fazer incluir no tipo legal da burla todos os meios usados pelo agente para cometer o ilícito, no sentido de utilização de erro ou engano (…). A falsificação, portanto faz parte do tipo legal de burla e não pode ser autonomizada, em relação à burla de que faz parte, sob pena de violação do princípio “ne bis in idem”.
Neste sentido pronunciaram-se:

  • Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II
  • Helena Moniz – “Burla e falsificação de documentos: concurso real ou aparente?”
  • Dra. Catarina Amaral da Costa – “Textos de Penal – Crime de falsificação de documentos”
  • Helena Moniz – “O crime de Falsificação de documentos – da falsificação intelectual e da falsidade em documento”

SALVO MELHOR OPINIÃO, em meu entender perante um crime de burla e de falsificação de documentos verifica-se um concurso aparente de normas, pelo facto da falsificação constituir um meio, instrumento necessário para a prática do crime de burla. Ainda, o crime de falsificação é um acto preparatório e executório do crime de burla, assim o acto de falsificar documentos para que desta forma uma terceira pessoa acredite na veracidade dos mesmos, consubstancia o conceito de astúcia em provocar engano sobre factos, elemento essencial e típico do crime de burla, portanto punir o agente, também, pelo crime de falsificação de documentos será, puni-lo duplamente pela mesma actuação, violando-se assim princípios constitucionais.
Para além disso, a nível da punibilidade será, a meu ver, mais favorável ao agente o concurso aparente, em que o que existe é um crime; a única operação a ser levada a cabo é estabelecer qual o crime pelo qual o agente deve efectivamente ser punido, procedendo-se, nos termos gerais, à determinação da pena. Já no concurso real, assim não acontece, o tribunal deve determinar qual a pena que cabe a cada um dos crimes em concurso, como se se tratasse de crimes singulares.

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