Imagine-se
Como consequência do embate entre RF e GB, a viatura RF ficou danificada e, por isso, impossibilitada de circular durante a sua reparação, ficando o (X) privado de utilizar o seu automóvel durante largo período de tempo, situação que se prolongou devido ao facto da 2ª Ré ter protelado no tempo a decisão sobre o ressarcimento de todo o prejuízo causado ao (X). Na sequência de tal situação, veio o Autor propor acção declarativa de condenação contra os Réus requerendo a condenação dos mesmos ao pagamento solidário de indemnização, por dano de privação do uso do veículo.
1) A ilegítima privação do uso de veículo automóvel em consequência de um acidente de viação, constitui, por si só, o responsável na obrigação de indemnizar o lesado.
Segundo esta posição, os danos sofridos em consequência de acidentes de viação, envolvem, para o lesado, a perda de uma utilidade do veículo, privando-o de o utilizar quando e como lhe aprouver, situação que em si mesma, tem valor pecuniário, constituindo nestes termos, por si só, um dano patrimonial indemnizável.
O ressarcimento do dano da privação do uso é em regra alcançado, facultando-se ao lesado um veículo de substituição, ou indemnizando-o pelas despesas por ele suportadas em consequência da privação do veículo, logo, facilmente se percebe que a obrigação de disponibilizar ao lesado o veículo de substituição é mera consequência da imobilização do veículo sinistrado, sem sujeição a outros condicionamentos relativos à prova da necessidade do veículo de substituição pelo lesado ou à prova do tipo de utilização que aquele fazia do veículo sinistrado. Portanto, a não disponibilização de um veículo semelhante e com características idênticas às do sinistrado ou o não pagamento do aluguer de um veículo em tudo semelhante com o sinistrado, não traduz a restauração “in natura” da situação, pelo que a privação do uso assume desde logo um valor pecuniário, constituindo nestes termos, por si só, um dano patrimonial indemnizável, devendo, nestes casos, recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no art. 566.ºnº3 do Código Civil, para fixar o valor da respectiva indemnização”, quando não for possível apurar o valor exacto desse prejuízo.
2) A ilegítima privação do uso de veículo automóvel em consequência dum acidente de viação, não constitui, por si só, o responsável na obrigação de indemnizar o lesado, defendendo-se a necessidade de existência de prova de prejuízos concretos para que tal indemnização ocorra.
Aqueles que sustentam esta posição defendem que a simples privação do uso de veículo, constitui uma ofensa ao direito de propriedade na medida em que o seu dono fica privado do respectivo uso. Sustentam assim que dificilmente se poderá, na maior parte dos casos, encontrar o valor exacto de tal prejuízo, mesmo com recurso a juízos de equidade, conforme o disposto no artigo 566º nº 3 CC, pelo que a alegação de elementos de facto que sejam norteadores para a fixação de uma indemnização com base na privação do uso do veículo é neste ponto de vista essencial, caso contrario é ir ao encontro da arbitrariedade e não da equidade. Neste contexto a atribuição de uma indemnização fica dependente da prova de uma efectiva perda, ou seja, da verificação concreta e provada de um dano, cabendo este ónus ao lesado.
Sustentam ainda os defensores desta tese que a existência de dano não se pode inferir de forma razoável e lógica da mera constatação da paralisação, uma vez que, uma coisa não implica necessariamente a outra.
A ilegítima privação do uso de veículo automóvel em consequência dum acidente de viação, constitui, por si só, o responsável na obrigação de indemnizar o lesado.
Salvo melhor opinião, a minha opção vai no sentido da posição da jurisprudência maioritária, que por sua vez, vai também de encontro à primeira tese apresentada.
Em meu entender a ilegítima privação do uso de veículo automóvel em consequência dum acidente de viação, constitui, por si só, o responsável na obrigação de indemnizar o lesado, pois como se deixa exposto, o lesado naquelas circunstancias fica privando-o de utilizar o veiculo sinistrado quando e como lhe aprouver, constituindo tal circunstância uma lesão real da propriedade, que se traduz na exclusão de uma das faculdades de que ao proprietário é licito gozar, como é o caso do poder de uso, fruição e disposição sobre a coisa danificada, art.º 1305º CC, situação que em si mesma, em meu entender, assume valor pecuniário, constituindo nestes termos, por si só, um dano patrimonial indemnizável.
Entendo por isso que a simples possibilidade de utilização de um veiculo automóvel constitui um valor patrimonial em si mesmo, podendo tal valor ser susceptível de quantificação com recurso a diversas realidade do dia-a-dia, como seria o caso do aluguer de um veiculo semelhante, a que se acresce ainda o valor da desvalorização do veiculo pelo decurso do tempo.
Assim torna-se para mim claro que entre a situação que existia se não houvesse o sinistro e aquela que se verifica na pendência da privação existe um desequilíbrio que, na falta de outra alternativa, como a reconstituição in natura, deve ser compensada através da atribuição de uma compensação em dinheiro, recorrendo-se se necessário, à equidade para alcançar a justa quantificação art.º 566º nº 3 CC, não estando todavia o julgador vinculado à observância rigorosa do direito aplicável, passando a ter a liberdade de proferir a decisão que lhe parecer mais justa, segundo critérios de conveniência, oportunidade ou de justiça concreta art.º 4º CC.
Contra a admissibilidade da indemnização do dano da privação do uso invoca-se frequentemente a sua natureza abstracta, contraposta ao facto de a responsabilidade civil exigir a produção de um dano concreto cuja medida serve para quantificar a indemnização.
É um facto que só os danos concretos merecem ser ressarcidos. Todavia, isso não significa que o chamado "dano da privação do uso" deva incluir-se na categoria do dano abstracto, sob pena de se afrontarem juízos assentes em padrões de normalidade.
Esta integração é contrariada pela simples verificação de que a impossibilidade de fruição de um bem próprio, em consequência de uma actuação ilícita de outrem, determina um corte temporal no legítimo direito de fruição. Reportando-se a privação a um determinado período e sendo o direito de propriedade também integrado pelo direito de fruição, aquela traduz-se, em termos práticos, num corte temporalmente definido e naturalmente irrecuperável nesse poder de fruição.
Quanto às dificuldades suscitadas pela adopção da teoria da diferença, como critério determinativo da indemnização, podem ser superadas se se evidenciar que o plano da quantificação não deve confundir-se com o da ressarcibilidade em que, por ora, nos situamos. No percurso metodológico da aplicação da lei este situa-se a montante, sendo reflexo da mera perda, ainda que temporária, dos poderes de fruição; já a quantificação comporta uma mera operação material, situada a jusante, destinada a avaliar, em termos pecuniários, o desequilíbrio patrimonial causado pela privação.
A simples invocação das regras da experiência quando se estabelece a comparação entre a situação do proprietário que manteve intacto o seu poder de fruição e a de um outro que dele seja privado temporariamente permite concluir que não existe entre ambas uma equivalência substancial. Verificando-se uma lacuna de natureza patrimonial, correspondente à fatia de poderes de que o proprietário ficou privado, é com naturalidade que deve ser encarada a atribuição de uma compensação monetária, face à constatação de que o simples reconhecimento da ilegitimidade da privação e a condenação na restituição do bem são insuficientes para repor a situação do lesado no estado em que se encontraria caso não tivesse existido tal privação.
Uma vez que o sistema atribui ao lesado o direito à reconstituição natural da situação, a recomposição da situação danosa reclama que, pela única via então possível, ou seja, pela atribuição de um equivalente pecuniário, o lesado consiga ser reintegrado. Dito de outro modo, se a privação do uso do bem durante um determinado período origina a perda das utilidades que o mesmo era susceptível de proporcionar e se tal perda não pode ser reparada mediante a forma natural de reconstituição, impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente.
A prova da ocorrência de danos concreta e directamente imputáveis à privação é solução que se justifica quando o lesado pretenda obter o ressarcimento dos lucros cessantes, pelos “benefícios que deixou de obter”, nos termos do art. 564º, nº 1, do CC. Porém, não se esgotam aí as possibilidades de ressarcimento que abarca também, com o danos emergentes, no segmento normativo referente ao “prejuízo causado“, a privação do uso.
Considerando que o direito de propriedade integra, como um dos seus elementos fundamentais, o poder de exclusiva fruição, e que isso envolve até o direito de não usar, a privação do uso reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma “fatia” desses, justificando-se, assim, o ressarcimento que supra a modificação negativa que a privação do uso determina na relação entre o lesado e o seu património” (fim de citação)
Sem comentários:
Enviar um comentário